sexta-feira, 12 de abril de 2013

Apocalipse 17 e o oitavo império


Este artigo, do Dr. Vanderlei Dorneles, analisa os símbolos proféticos de Apocalipse 17 com a proposta de diferenciar a besta escarlate da meretriz bem como da primeira besta de Apocalipse 13:1. O estudo é feito à luz do contexto das sete pragas e do paralelo construído entre o clímax escatológico provido pelos capítulos 13 e 17, paralelo este usado como base para se sugerir uma relação entre a primeira besta e a meretriz, e entre a besta de dois chifres e a besta escarlate e seu oitavo chifre. Em seu contexto imediato, o texto de Apocalipse 17 é considerado como uma espécie de juízo de investigação seguido da execução de sentença sobre a meretriz (Ap 18). A oitava cabeça é distinguida do poder religioso e relacionada com os poderes político-militares.

O capítulo 17 é uma das seções mais desafiadoras e, ao mesmo tempo, mais fascinantes do livro do Apocalipse. Um dos anjos que têm as sete taças da ira de Deus (Ap 16) chama o profeta para uma nova sequência de visões, as quais se seguem à narrativa das pragas. O anjo inicia a comunicação com o anúncio: “Mostrar-te-ei o julgamento da grande meretriz” (Ap 17:1).

A identidade da meretriz não tem sido um ponto de discussões tanto quanto a identidade da besta e de seus chifres. Uma vez que uma besta, também de sete cabeças e dez chifres, é descrita em Apocalipse 13:1 e se torna uma figura predominante no livro, a identificação da entidade representada nesse símbolo de Apocalipse 17 oferece grandes dificuldades.

Uma das interpretações mais correntes tem sido que a besta em questão aponta para a mesma entidade representada pela besta de Apocalipse 13, e que seria o império romano, cuja capital foi considerada a “cidade das sete colinas”, como sugere o v. 9. Essa interpretação preterista é abraçada “pela maioria dos exegetas”[1] e resulta numa negação do dom profético na interpretação das visões do grande conflito narradas no livro.

Outra linha de interpretação vê a besta de Apocalipse 17 como símbolo dos poderes políticos mundiais e o oitavo rei como um retorno do sétimo poder, ou seja, de “Roma papal”.[2] Nesse caso, o “oitavo rei” indicaria a fase final de atuação dessa entidade, após a restauração de seus poderes perdidos na revolução francesa, em 1798.

Uma terceira interpretação considera que a besta “escarlate” (Ap 17) se relaciona com o dragão “vermelho” (Ap 12), sendo, portanto, uma referência ao próprio diabo em sua luta contra Deus e Seu povo, por meio de poderes terrenos.[3] Outra visão pontua que a besta “escarlate” deve representar uma “confederação de poderes” militares, seculares e civis em oposição a Deus no clímax do grande conflito.[4]

Ainda uma interpretação mais popular e menos embasada teologicamente também vê a besta como sendo Roma papal e considera que a criação do estado do Vaticano, em 1929, pelo Tratado de Latrão, corresponderia à cura da ferida da besta de Apocalipse 13. Os sete reis representados pelas cabeças da besta seriam sete papas e o “oitavo”, portanto, seria um último papa que guardaria certas relações com seu antecessor.[5]

A multiplicidade de interpretações reflete a complexidade da visão. Um dos desafios está no fato de diversos símbolos apocalípticos serem descritos como “besta” (ver Ap 11:7; 13:1, 11; 17:3). A palavra “besta” (gr. therion) ocorre 38 vezes no livro de Apocalipse, sendo traduzida sempre como “besta”, exceto em 6:8 (“feras”). Apesar de quatro bestas principais serem mostradas a João, em geral as referências à besta são encaradas como sendo àquela de Apocalipse 13:1, a segunda das quatro. Um dos caminhos para solucionar problemas de Apocalipse 17 é tentar distinguir as bestas apocalípticas.

As interpretações que relacionam a besta “escarlate” com a primeira do capítulo 13 (Roma papal) esbarram num problema claro: por fim (17:16), a besta “escarlate” e os “reis da terra” odeiam e destroem a meretriz (o poder religioso romano), o que requer necessariamente uma distinção entre essas duas bestas. A “confederação de poderes seculares”[6] em vez de ser a besta “escarlate” pode representar a própria coalizão da besta e os “reis da terra”. Assim, é necessária uma definição mais objetiva da entidade.

Outro aspecto a ser levado em conta é o contexto das sete pragas no qual se visualiza a meretriz e essa besta. A ideia de juízo é clara nessa seção do livro. Além disso, é preciso relacionar essa visão (Ap 17) com outras visões do livro na busca por elementos simbólicos paralelos. [Continue lendo.]